"A diretiva tem uma conceção hierárquica pura e dura e de cima para baixo e até a própria procuradora-geral da República passa a poder dar ordens, já que é a cabeça da hierarquia", afirmou o presidente do Sindicato.
António Ventinhas explicou ainda que o diretor do DCIAP é nomeado pela PGR e está na sua dependência direta. Já o cargo de PGR é nomeado politicamente e pode ser ocupado por um procurador, um juiz, um político ou um advogado que, ao estar “no topo”, pode “dar ordens para baixo”.
"De acordo com o conceito de hierarquia da diretiva, o subalterno tem de cumprir todas as ordens, o que significa que o PGR pode dar ordens imediatas ao diretor do DCIAP de como se conduz um processo e esse dar ordens aos procuradores, sendo certo que estas ordens não ficam visíveis no processo", sustentou.
Sobre a forma como foi dado a conhecer o parecer, que passou a ser diretiva, e as suas implicações, Ventinhas classificou-a como "uma trapalhada do princípio ao fim".
"O parecer foi divulgado sem data, sem as assinaturas dos elementos que o votaram, sem a identificação do relator. É um documento truncado. Parece que a política de ocultação já começou", criticou.
“Interferir de forma secreta”
Segundo as orientações da PGR, nos processos-crime a intervenção da hierarquia e o exercício dos poderes de direção do MP não se circunscrevem ao que está previsto no Código de Processo Penal, "compreendendo ainda o poder de direção através da emissão de diretivas, ordens e instruções, gerais ou concretas".
Ao contrário da interpretação do SMMP, que já anunciou que vai impugnar a decisão junto do Supremo Tribunal Administrativo, a procuradora-geral da República considera que a nova diretiva não compromete "o que quer que seja", designadamente a autonomia do MP.
Para o sindicalista, Lucília Gago "deveria ponderar melhor a situação e revogar a diretiva", que, no entender do sindicato, espelha "o maior ataque à autonomia dos magistrados alguma vez efetuado no regime democrático".
"Não deixa de ser estranho que uma PGR do regime democrático defenda que devem ser dadas ordens que interfiram nos processos de forma secreta e que seja essa a prática a seguir por todos os superiores hierárquicos", sustentou António Ventinhas.
Reação de Lucília Gago
Esta sexta-feira, a Procuradoria-Geral da República veio esclarecer que o parecer em questão “não atribui ao procurador-geral da República poderes acrescidos de intervenção direta em processos, mantendo os poderes hierárquicos que sempre lhe foram conferidos intocáveis”.
Lucília Gago declarou que "o magistrado do Ministério Público pode, no âmbito desse concreto processo, justificar a posição que assume, eventualmente diversa ou contraditória com as que antes assumiu, com uma referência sumária ao dever de obediência hierárquica".
Isto é, o parecer afirma que um magistrado "pode referir que está a cumprir uma ordem, mencionando mesmo, se tal se justificar, a existência de um suporte escrito extraprocessual de tais comandos hierárquicos".
O vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, Carlos Peixoto, defendeu esta sexta-feira que a diretiva sobre a hierarquia do MP contém orientações que "ofendem a legalidade e até a própria Constituição".
"A senhora procuradora (geral da República) pode dar as suas explicações, pode eventualmente até mudar de posição, deixando cair uma diretiva que por escrito mandou transmitir a todos os procuradores, orientações que nos parecem que ofendem a legalidade e até a própria Constituição da República Portuguesa", afirmou o deputado.
O vice-presidente da bancada adiantou que "o PSD não tem nada a obstar que a senhora Procuradora seja ouvida, para esclarecer exatamente aquilo que quer e aquilo que pretende com uma diretiva destas".
Para o PSD, esta é uma questão "mais ao nível do funcionamento interno do Ministério Público do que a nível de iniciativas legislativas no sentido de que qualquer partido tenha que alterar a lei", uma vez que "a lei existe, o estatuto do Ministério Público foi alterado há muito pouco tempo no parlamento e, portanto, não é altura de estar a mexer nas leis".
Apontando que "há uma norma claramente que diz que o MP deve agir dentro dos limites estabelecidos na lei e no estatuto", Carlos Peixoto sublinhou que "é claramente proibida qualquer tipo de orientação, de determinação, de ordem que seja escondida dos mais sujeitos processuais e que não fique plasmada no processo".
O Bloco de Esquerda pediu "transparência" para evitar "apropriações indevidas" na ação do Ministério Público.
"Para que a hierarquia seja garantia de unidade mas não esteja aberta a apropriações indevidas na ação do MP, quer na base quer no topo, é necessário que haja transparência daquilo que são as diretivas hierárquicas que são colocadas em qualquer momento dos processos penais", considerou José Manuel Pureza, deputado parlamentar do Bloco de Esquerda.
Para o BE, "só com registo dos processos é que há garantia de fiscalização, que há responsabilização de quem emite essa ordem, que há defesa de quem a tem que cumprir e portanto há garantia do MP como um todo".
É "em defesa do MP como magistratura" que se deve exigir essa transparência, sem "ordens ou diretivas que são informais ou que são absolutamente internas e sem capacidade de responsabilizar as várias partes envolvidas".
O PCP defendeu, entretanto, que nunca se foi "tão longe" na limitação da autonomia do Ministério Público, sustentando que a diretiva sobre a hierarquia do MP carece de "cobertura legal", sendo de "duvidosa constitucionalidade".
"O PCP expressa a sua preocupação pela recente diretiva emanada da Procuradora-Geral da República, cujo alcance e conteúdo estão a causar justificada perturbação e indignação dentro e fora do Ministério Público", escreve o partido numa nota enviada às redações.
"Nunca se foi tão longe na limitação da autonomia desta magistratura", sublinha.
Para os comunistas, a possibilidade de intervenção das chefias em processos concretos tem como consequências o reforço "desadequado do princípio da hierarquia e dos seus poderes face à autonomia dos magistrados", "rompe os equilíbrios" da própria lei e "viola as regras democráticas da transparência".
O PCP espera que o "bom senso" prevaleça, para um Ministério Público "democrático, capacitado para o combate sem tréguas à alta criminalidade, agindo no quadro da Constituição da República".
Também o PAN se mostrou preocupado com a diretiva, alegando que podem estar "princípios constitucionais em causa", e admitiu requerer esclarecimentos à ministra da Justiça e à procuradora-geral da República.
"É com bastante preocupação que olhamos para isto que se está a passar e que esperamos que não penhore, em medida alguma, aquilo que são os poderes e a autonomia do MP, no âmbito a condução dos processos, e que, acima de tudo, não haja aqui qualquer tipo de confusão ou mistura de poderes relativamente aquilo que entre é a justiça e aquilo que é o poder político", afirmou o partido.
"Não faz muita lógica estar a haver aqui a possibilidade de revogação de decisões tomadas pelo Ministério Público, sem ser no âmbito do exercício das garantias do interessado", advogou.
A líder parlamentar do PAN admitiu chamar ao parlamento a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e a procuradora-geral da República, Lucília Gago, manifestando disponibilidade para votar a favor dos requerimentos que entretanto outros partidos apresentarem.
c/ Lusa
2020-02-07 17:09:00Z
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